Um prédio se inicia antes da primeira pá de concreto, no invisível. As Fundações e contenções formam a “espinha dorsal” de qualquer empreendimento, e quando o terreno permanece desconhecido, o subsolo torna-se uma fonte de surpresas estruturais e financeiras.

Apesar da inerente necessidade de investigar o subsolo, muitos projetos avançam sem dados confiáveis sobre o tipo de solo, lençol freático e profundidade do impenetrável. A ausência de informações sobre o terreno compromete a qualidade e a segurança das Fundações e Contenção, ocasionando um aumento não previsto no orçamento.

Dessa forma, ter em sua equipe especialistas em geotecnia logo na concepção traz confiabilidade para a elaboração dos projetos e um bom andamento da obra. Um exemplo disso é a necessidade de reservar de 50 a 70 cm para a execução da contenção e, se preciso, para a laje subpressão, a fim de evitar a perda de vagas de garagem e retrabalhos nas etapas iniciais do projeto antes de aprová-lo na prefeitura. Um outro cuidado que a equipe de geotecnia possui é realizar uma locação bem posicionada e adequada dos furos de sondagens, ainda na fase de viabilidade, o que garantirá uma solução mais barata quando comparadas ao valor de corrigir e/ou reforçar uma fundações depois. 

Sondagens rigorosas, contenções bem dimensionadas e provas de carga agendadas com antecedência transformam a geotecnia em um ambiente seguro contra surpresas no orçamento. Edifício com mais  50 pavimentos tem uma ótica única: exigem mais sondagens rotativas, mais provas de carga e, por vezes, túnel de vento para validar esforços.É o que aconteceu com o Senna Tower, em Balneário Camboriú, precisou de 21 provas para aprovar sua fundação, enquanto edifícios médios em Goiânia executam apenas duas ou três.


A Modelagem de fundações e contenções em BIM é uma excelente aliada na integração dos dados geotécnicos ao ambiente do projeto, que antecipa a  interferências com instalações e permite ajustes finos em pilares, vigas e lajes, e como resultado tem-se um projeto mais leve, mais eficiente e financeiramente mais seguro até o último pavimento.

Nesse artigo você vai tomar conhecimento de algumas dicas preciosas dadas pela Engª Daniela Cintra, Especialista em Fundações e Obras Geotécnicas (INBEC, 2017); Engenheira Civil (PUC Goiás, 2012); Tecnóloga em Construção de Edifícios (IFG, 2008); e Técnica em Edificações (IFG, 2006). Elas foram dadas no 1º episódio do Podcast da DIM Inteligência em Projetos: DIM entre Projetos!

Sondagem estratégica: conheça o terreno antes de projetar

Uma campanha de sondagem eficiente inicia-se no papel: o projetista de fundação recebe do arquiteto o estudo preliminar da planta do subsolo, e apoiado nesse define, baseado nas normativas técnicas, a quantidade mínima de furos e os seus posicionamentos. Quanto mais furos, e melhor executados, mais assertivo ficará o dimensionamento de fundações e contenções, evitando surpresas futuras. 

Dicas valiosas:

  • Furos vizinhos: Os furos de sondagem já existentes de obras próximas servem apenas para a compreensão das adjacências, e delimitação de impacto na vizinhança, e jamais deverão ser reaproveitados.
  • Empresa confiável: As sondagens realizadas por empresas que não prezam pela qualidade costumam apresentar dubiedade em seus relatórios, pois não atingem a profundidade do impenetrável, não realizam uma adequada perfuração por circulação de água e entrega um resultado técnico incoerente. Uma escolha de prestador baseada apenas no menor custo, pode custar duas vezes mais para a contratante, pela necessidade de se refazer os furos.
  • SPT + Rotativa (mista): em lotes com transição solo–rocha, é necessário solicitar a sondagem rotativa, que caracterizará o maciço rochoso, por meio da recuperação de testemunho, análise do RQD (índice utilizado para avaliar a qualidade de um maciço rochoso), e profundidade real da camada resistente.

2. Calendário hidrogeológico

Em Goiânia, o lençol freático atinge o nível mais alto entre os meses de abril e maio, período esse em que a Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA) exige o relatório definitivo de solo. Ao realizar a sondagem nessa janela obtém-se o “pior-caso”, ou seja, o maior nível de água no terreno, o que servirá de orientação para o dimensionamento de laje de subpressão, se for necessária. Evite campanhas nos meses de setembro e outubro, quando o lençol está baixo e poderá mascarar a real necessidade de drenagem. Se o cronograma de obra for reduzido, é interessante efetuar furos entre os meses de julho e agosto, com o intuito de antever soluções de fundação e possíveis perfuratrizes, e, posteriormente, repetir a sondagem no período chuvoso para validar níveis d’água.

3. Do estudo de viabilidade ao CAPEX

Colocar a sondagem ainda na fase de viabilidade junto com o levantamento planialtimétrico e limites do terreno evita aditivos de última hora e garante que os custos de fundação apareçam no orçamento desde o primeiro dia. Ignorar essa premissa, pode inviabilizar o empreendimento, como exemplificado no Podcast pela  Engª Daniela Cintra, conforme aconteceu em um edifício de 18 pavimentos em Goiânia em que foi necessário alterar a solução de fundação para estaca raiz, visto que o afloramento rochoso aflorada foi identificado após o projeto legal, o que  triplicou os custo estimados para a contenção.

Compatibilização Geotecnia e Arquitetura: as vagas de garagem

Projetar e delinear os parâmetros do subsolo  antes mesmo de protocolar o projeto na prefeitura é a diferença entre aprovar a planta de primeira ou viver um pesadelo de revisões.

Um erro clássico é deixar apenas 20 a 30cm para contemplar as contenções e descobrir tarde demais que essa largura não é suficiente para a parede de contenção ou para a laje de subpressão. Quando isso acontece, resta ao projetista duas opções igualmente penosas para a obra: perder vagas de garagem ou refazer o projeto já aprovado, o que costuma gerar aditivos de prazo e custo, e debates entre equipes de arquitetura, geotecnia e contratante.

Benefícios de antecipar a análise geotécnica

  1. Garantia de estacionamento: A reserva de 10 % de área livre no subsolo, exigida por norma local, fica assegurada quando a contenção é dimensionada ainda no estudo preliminar.
  2. Menos retrabalho legal: Ajustar recuos, pilares de fachada e espaçamentos entre vagas é muito mais simples antes do carimbo municipal; depois, qualquer mudança estrutural se torna traumática e cara.
  3. Compatibilização com vizinhos: Levantamento planialtimétrico e checagem de invasões evitam surpresas de divisa e definem se perfil metálico ou estaca raiz é viável no lote.
  4. Viabilidade financeira clara: Saber cedo se será necessária laje de subpressão ou contenção “especial” coloca esse custo no CAPEX inicial, evitando sustos ao final da obra.

Prova de carga: interação solo-estrutura para otimizar concreto e aço

A verificação “in situ” do desempenho da estaca ou do bloco de fundação, transforma hipóteses em números e permite o refinamento do projeto estrutural com segurança jurídica fundamentada na NBR 6.122 (ABNT, 2022)  permite reduzir o fator de segurança de 2,0 para 1,6 quando a prova confirma a capacidade de carga antes do início da obra.

Como programar sem travar o cronograma

  1. Agende o ensaio ~3 meses antes da mobilização principal: contrate a perfuratriz, execute 4-6 estacas teste e aplique o carregamento estático; com o resultado é possível retroalimentar o dimensionamento e fazer os ajustes necessários na fase de projeto locação de obra.
  2. Use a mesma máquina que executará a obra: evita variação de métodos e reaproveite a mobilização, que pode custar até 10 vezes a  mais se a máquina vier de outro Estado.
  3. Compartilhe o laudo com a equipe de estrutura: a confiabilidade extra autoriza seções menores ou lajes mais delgadas, uma economia que compensa o valor do ensaio de prova de carga.

Dicas práticas

  • Selecione estacas representativas da pior camada de solo; evite testar apenas as “boas”.
  • Instrumente o topo com célula de carga e extensômetro para acompanhar o deslocamento real.
  • Inclua no CAPEX inicial o valor da prova de carga, que custa em torno de 0,3% da fundação, todavia pode resultar em uma economia estrutural de até 5%.
  • Repita o ensaio se mudar o tipo de estaca ou houver alteração relevante de carga durante o projeto.

BIM geotécnico: fundações em 3D, compatibilização em um clique

A modelagem de estacas, blocos e lajes de subpressão no ambiente 3D evidência e clarifica informações que anteriormente ficavam ocultas, sendo assim, quando os projetos são compatibilizados todos os setores podem visualizar com assertividade o subsolo da mesma forma que compreendem a superestrutura.

Esse “subsolo digital” serve sobretudo às outras disciplinas: instalações, estrutura e arquitetura, que passam a trabalhar com cotas exatas, evitando interferências e reprocessos típicos de detalhes 2D dispersos. Quando o coordenador recebe fundações e contenções em BIM, o clash detection revela rapidamente se uma tubulação cruza um bloco ou se um dreno conflita com o muro de arrimo; ajustes que antes levavam dias resolvem-se em minutos.

Além de reduzir retrabalho, o modelo 3D alimenta o orçamento com quantitativos reais desde a fase preliminar e encurta o ciclo de compatibilização, “tempo que se ganha na tela, não no canteiro”. O resultado prático é um subsolo mais enxuto em concreto e aço, um cronograma sem paradas por surpresas de campo e uma obra que chega ao dia da escavação já sabendo exatamente onde cada estaca deve ficar.